Resenha do livro: Especiais – Livro 3 da Série Feios – Scott Westerfeld

Ao arrancar as pétalas, você não nota a beleza da flor. ― Rabindranath Tagore, Pássaros Perdidos

Se você não leu Feios e nem Perfeitos ainda, sugiro que não leia esta resenha até o fim. Não clique em “ler mais”, pois, a não ser nessa introdução, infelizmente, não há como não mencionar eventos dos dois primeiros livros, já que Especiais é praticamente a conclusão da trilogia.

Sim, temos um quarto livro, Extras, mas a história dele se passa no mesmo mundo de Feios, Perfeitos e Especiais, porém, são quinze anos no futuro, portanto, apesar de Tally Youngblood ser a personagem principal em Feios, Perfeitos e Especiais, ela não é a principal em Extras; então, em Especiais, podemos dizer que é a conclusão da história dela. Por assim dizer.

E dizer que essa é a última vez em que Tally será a personagem principal não é spoiler. Acho importante saber que a história dela é concluída neste volume da série.

Posso adiantar, antes da quebra do artigo, que Tally passa por transformações, o que não deixa de ir acontecendo desde o primeiro livro, mas ela não é a mocinha típica que muitos esperam em livros. Ela é uma personagem bem humana neste mundo distópico criado por Scott Westerfeld, e, por ser humana, ela comete muitos erros… o que não é um ponto ruim, pelo contrário, na verdade, é bem realista a história, mesmo com os elementos típicos de ficção científica distópica (ou até mesmo por causa disso, já que a ficção científica tende a mostrar coisas que as pessoas, de forma geral, preferem ignorar, servindo-se de futuros distópicos, por exemplo, para mostrar “defeitos” dos indivíduos e da sociedade de uma forma bem realista…) Eu ousaria dizer até que a Série Feios é ultrarrealista, por mais absurdista que ela possa parecer para muitos. No final desta resenha, colocarei alguns vídeos e algumas referências a “evoluções” na tecnologia que a maioria das pessoas não nota… e que são assustadoras. Do jeito que caminham as coisas, seres humanos “amped” {amplificados, super-humanos} deixarão de ser personagens de ficção científica, de cyberpunk, para conviverem conosco no dia a dia. Chega a ser assustador.

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E, se as descobertas em Perfeitos foram assustadoras… O caminho trilhado pelos personagens e pela sociedade deste mundo “pseudo-Perfeito” em Especiais tende a ser ainda pior. Não é uma série, como frisei já desde a primeira resenha, para quem busca romances e finais felizes. É uma série de descobertas, em que pessoas legais se dão mal por suas escolhas… e pessoas boas acabam sofrendo fins terríveis porque outros fizeram escolhas que os prejudicaram. E é um mundo em que pessoas não tão legais se dão bem… O que não é tão diferente assim de nosso próprio mundo real ― em que nem sempre, ou melhor, quase nunca, as soluções fáceis estão à mão, e menos ainda… em que “finais felizes” fazem parte do dia a dia.

Meu aviso foi dado! Só clique em “ler mais” se você já leu os dois primeiros volumes da série. (clique aqui para ler a resenha do primeiro livro ou do segundo livro). Senão, espero que esta introdução já o tenha motivado a começar a ler os livros desta saga distópica brilhantemente triste e realista de Scott Westerfeld.

Se você clicou em “ler mais”, espero que tenha lido os dois primeiros volumes, já que, a partir de agora, vêm os inevitáveis comentários sobre eventos dos dois primeiros livros, que seriam spoilers para quem não os leu.

Tally Youngblood agora é uma cortadora. Totalmente amplificada, ela percebe os não-Especiais-Cortadores como seres inferiores. Sim, é algo muito triste, mas o ser humano, quando não é “ensinado” a agir de uma forma politicamente correta, tende a ver defeitos alheios com dó e até mesmo repulsa. Para os Especiais-Cortadores, até mesmo uma leve imperfeição na pele, a falta de coordenação motora de alguém, entre outras coisas, são notáveis, o que torna, para eles, praticamente todo mundo inferior.

É como se estivessem olhando para pessoas que perderam braços ou pernas, mesmo que isso não tenha acontecido. É cruel, mas faz parte do ser humano julgar-se superior ao outro, seja por conta de algum defeito físico ou por diferenças de QI, a natureza do ser humano é cruel: julgar os outros é algo inerente ao ser humano e que deve ser sempre lapidado ou domado quanto for possível.

Só que, no mundo distópico da série Feios, essa repulsa em relação aos feios e aos imperfeitos é levada a um grau extremo. É triste? Sim. Mas não poderíamos esperar resoluções extremamente felizes em uma história assim; ao menos quem já leu mais de uma história de ficção científica distópica sabe (ou deveria saber) que, por mais que até a tendência da libertação surja nos finais dessas histórias, essa libertação vem com um custo muito alto, vem acompanhada de perdas, ainda mais em um mundo que vive sob “circunstâncias especiais” e visando a uma perfeição há tanto tempo que se afastou do que era antigamente…

Essa era a vantagem de ser um Cortador: tudo era sagaz agora, como se a pele absorvesse o mundo. 

O oposto de “sagaz” é o que chamam de “avoados”. Não é só a “feiúra” que separa as castas neste mundo, e sim as diferenças nas percepções mentais também. O cérebro é manipulado para notar os defeitos como se fossem falhas irreversíveis… mas já sabemos que as manipulações no mundo de Feios podem ser revertidas, certo? Que é tudo uma questão de vontade? Mas o que aconteceria se o sistema viesse abaixo? Todos ficariam livres e felizes? A resposta é tão simples quanto óbvia: Não!

Era fácil ver os pensamentos dos feios em seus rostos. Tally conseguia notar ciúmes e ódios, rivalidades e atrações, tudo exposto nas expressões e no jeito com que se mexiam. Agora que era uma Especial, tudo estava às claras, como se observasse uma trilha na floresta do alto.

Tally evolui como personagem/pessoa, mas o mundo que a cerca é terrível, e suas escolhas têm preços tão terríveis quanto.

A narrativa, ao contrário daquela dos dois primeiros livros, é mais rápida. As ações se desenrolam bem mais rapidamente do que nos dois volumes. A conclusão vertiginosamente elaborada é triste. Repito. Bem triste. Mas, por outro lado, não dá para largar o livro. É como se fosse uma forma de masoquismo literário ― precisamos saber o que acontece, mesmo que a conclusão não seja aquela ideal com a qual sonhamos. Acho difícil esquecer essa história tão rápido. Porque, por mais que se odeie ou ame alguns personagens, ou até mesmo goste ou não da conclusão da série, não há como se esquecer das críticas individuais e sociais que o autor destila em cada página, o que se acentua e fica bem mais claro neste terceiro volume da série.

O que achei, depois de ter lido Especiais, e deixei passar uns dias antes de escrever esta resenha, para as idéias meio que se “assentarem”, foi que um dos pontos que tornou tudo mais tétrico foi o fato de as personagens principais serem adolescentes. Estamos muito acostumados a ver distópicos antigos, como “Admirável Mundo Novo”, entre outros, com a mesma abordagem na crítica social, porém, com adultos. O fato de ver os adolescentes envolvidos em situações complicadas, grotescas, perigosas e tristes acaba mexendo com o leitor de uma maneira diferente. Acaba tornando a história mais tétrica do que o esperado.

Os adultos, no mundo de Feios, são como os adolescentes sem o gás e sem os ímpetos desafiadores da juventude, como ilustra a seguinte passagem do livro:

As Trilhas eram uma grande reserva ecológica do outro lado da Vila Feia, o tipo de lugar que os perfeitos de meia-idade iam explorar para fingir que estavam na natureza. Parecia selvagem, mas a pessoa sempre podia chamar um carro voador quando ficasse cansada.

E os adolescentes que têm seus cérebros “modificados” acabam sendo alterados, seja por meio da “cura” à qual já fomos apresentados no livro anterior, ou por meio de sua reprogramação individual, tudo que fica muito bem explicado neste terceiro livro da série.

As nanoestruturas removiam as lesões que mantinham os perfeitos avoados, libertando as emoções violentas e os instintos básicos. Ao contrário do efeito temporário de uma droga qualquer, a mudança era permanente.

A crítica à nossa sociedade atual continua bem presente na obra, lembrando que o futuro da série Feios é cerca de 300 anos além do nosso tempo.

Era isso que eles {os Enfumaçados} ganhavam por viver fora da cidade: queimaduras de Sol, mordidas de insetos e tecnologia tosca.

Os adolescentes são criados para viverem em uma espécie de bolha, protegidos da própria vida. Tentando não repetir os erros do passado, no mundo de Feios, outros erros são cometidos, tornando o futuro ainda mais terrível do que o passado… Ou seja, os erros do passado não serviram para alertar ninguém, já que os mesmos erros não são cometidos, mas outros ainda piores são realizados… É complexo, tenso e triste.

Sobras de emoções medíocres podiam embaralhar o cérebro, o que não era muito especial.

Os feios pareciam frouxos e fracos contra ela, como brinquedos de pelúcia que ganharam vida ― barulhentos, porém inofensivos.

Brinquedos de pelúcia que ganharam vida… Triste.

O ser humano “amped” não deixa de ser o protótipo do super-humano que já vimos em diversas outras obras de ficção científica, como, para citar apenas um, Khan, de Star Trek (série clássica e segundo filme).

Sons que eram inaudíveis aos feios e perfeitos podiam ser captados pelos ouvidos de um Especial, tão estranhos e surpreendentes quanto os sulcos e espirais da pele sob um microscópio.

Na “condição” de pessoa “Especial”, esses adolescentes acabavam se tornando a “polícia alheia”, mas eles mesmos eram os que mais infringiam todas as regras possíveis… Já que…

Essa era a principal razão de ser especial: a pessoa existia para manter os demais na linha, mas isso não queria dizer que ela precisasse se comportar.

E o questionamento em relação ao futuro, em relação à própria capacidade de pensar, ou seja, as reflexões típicas de uma obra distópica, de cyberpunk, estão ali, para lembrar o leitor das situações tristes em que o ser humano se coloca o tempo todo.

(…) ter um cérebro, às vezes, era motivo de tanto sofrimento.

O que aconteceria se os perfeitos decidissem fugir?

Controlar alguém através de alterações no cérebro é o mesmo que tentar parar um carro voador com uma trincheira. Se a pessoa se concentrar, passa voando por cima.

Relembrando: A história se passa no século XXIV. 

A crítica à guerra biológica e a outros absurdos perpetrados pela Humanidade através das eras está mais do que presente neste terceiro livro da série, mesmo que, de certa forma, o que os Novos e Evoluídos Humanos estejam fazendo neste futuro não seja lá muito “Especial” e nem Humano, por assim dizer… 

Guerra biológica tinha sido uma das ideias mais brilhantes dos Enferrujados: criar bactérias e vírus para matar uns aos outros. Era uma das armas mais estupidas que alguém poderia projetar (…) Na verdade, toda a cultura Enferrujada acabou graças a uma bactéria artificial que se alimentava de petróleo.

Será que a violência e os crimes estariam de volta?

Como alguém governaria uma cidade onde todo mundo fosse um Crim? (…) Será que esses atos não evoluiriam para crimes de verdade, para violência sem sentido e até mesmo assassinatos, como na época dos Enferrujados? 

E aqueles que viviam à margem da sociedade do mundo Perfeito? Os que eram “estudados” como se fossem animais em um grande laboratório?

Quando fugiu da cidade na época em que era perfeita, Tally encontrou uma espécie de reserva, uma experiência mantida pelos cientistas. Os moradores viviam como Pré-Enferrujados, usavam peles e ferramentas da Idade da Pedra, como clavas, paus e fogo. Habitavam pequenas aldeias que viviam em guerra entre si, um ciclo interminável de vingança que os cientistas estudavam como uma camada de violência humana sob a lente de um microscópio.

A vida no mato versus a vida na cidade: A dificuldade de adaptação do ser humano

Essa era a primeira lição que se aprendia no mato: nada era confiável, nem o próprio jantar. Não era como a vida na cidade, onde todas as quinas haviam sido arredondadas, em que todas as varandas eram equipadas com um campo de força caso a pessoa caísse, e onde a comida não vinha fervendo.

Isso é mesmo tão absurdo? Ou, mesmo agora, os pais criam seus filhos para um mundo ideal, que obviamente não existe, com uma superproteção que invalida os indivíduos em muitas situações reais de sua vidas… 

Os medos da Humanidade são relembrados o tempo todo…

 

Ela ainda era uma Especial, o rosto ainda tinha uma beleza cruel projetada para despertar os medos mais antigos da humanidade.

Disputas políticas

Caos

Guerras 

Seria possível uma… Reprogramação?

Não esperem soluções deus ex-machina em que tudo é “magicamente consertado”. O terceiro livro de uma série sobre o crescimento como indivíduo em um mundo distópico não poderia apresentar soluções mágicas para problemas tão complexos.

Essa trilogia é digna de um trabalho dissertativo de pós-graduação ou até mesmo tese de mestrado, por ser um reavivamento de conceitos de ficção científica aplicados a uma série para Jovens Adultos (YA). Porém, isto é uma resenha, e não uma análise e vou parar por aqui, pois não há como fazer tal análise sem estragar toda a história para quem não a leu ainda, e o objetivo da resenha é convidá-los à leitura, e não fazer com que desanimem de ler os livros, ao contar tudo o que acontece, lógico.

Então se preparem para uma viagem pelo mundo dos Especiais, Cortadores ou não, e daqueles que querem se livrar dos paradigmas da Perfeição ― que acabam por criar outras monstruosidades, tanto físicas quanto comportamentais.

Preparem-se para desvendar segredos de outros locais além da conhecida Nova Perfeição. Preparem-se para um Nada Admirável Mundo Novo ― e esta trilogia me fez ter vontade de reler esta maravilhosa obra de Huxley também, que indico a quem ainda não a leu ― um Mundo em que o Novo pode ser Admirável, mas em que sua Beleza tem contornos de Crueldade.

E encerro esta resenha com a seguinte citação extraída do livro, para gerar uma reflexão em vocês (além de dois vídeos sobre os avanços da robótica, só para citar exemplos de coisas assustadoras que as pessoas não percebem que estão acontecendo por aí):

Pensar como um Especial faz parte do ser humano. Não é preciso muito esforço para convencer uma pessoa de que ela é melhor do que as outras.

Resenha: Ana Death Duarte
Edição de imagens: Alonso Lizzard. Créditos para os artistas nas imagens (exceto a primeira, aqui)

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8 comentários em “Resenha do livro: Especiais – Livro 3 da Série Feios – Scott Westerfeld

  1. E eu ainda achava que minha resenha de “Feios” era boa kkkk

    Não li toda a resenha, já que ainda não li “Perfeitos”, mas diferente de muitos ‘leitores’, acredito que essa série é muito boa justamente por sua versão distorcida da felicidade. Ela prova que nem sempre os bons vencem… e que os ‘maus’ nem sempre pagam pelos seus ‘erros’!

    É uma história muito complexa, tão meticulosamente elaborada, que confunde e provoca reflexões sem tamanho. Com certeza, um dos meus livros preferidos até o momento! =)

    Parabéns pela resenha! Adorei

    Bjs


    Guria que Lê

  2. regina disse:

    Ainda não li Perfeitos (que está na pilha de leituras de Julho), mas a curiosidade me impele à leitura de qualquer resenha que seja sobre um livro que eu lerei ou pelo qual me interesse. Gostei muito, principalmente depois de perceber que a obra completa vai ainda mais além do que Feios apresentou. E vai até o fim, mesmo que seja um fim que pode não agradar.

    Thumbs up!

  3. Ana disse:

    Terminei de ler Perfeitos ontem. Realmente muito,mas não pretendo ler Especiais tão cedo(sem dinheiro pra comprar.). Resenha também muito boa, assusta pensar que podemos chegar ao ponto da sociedade do livro. Ah no livro explica como os Enferrujados quase acabaram com o mundo?

    • icultgen disse:

      Sim, explica sim 😉
      Acompanhe o nosso blog no twitter, pois em julho teremos uma promo com esse livro 😉
      Se você não ganhar o jeito é esperar uma promoção.
      O primeiro livro, Feios, a gente não recebeu pela parceria (não tínhamos parceria naquela época), a gente comprou e esperamos uma oferta na loja, é normal. Mas a série vale muito a pena mesmo. A gente adorou.

  4. Davi Araújo disse:

    A única e verdadeira resenha de Especiais!!!!!!!!!!!

  5. […] Minha resenha especial… de “Especiais”{terceiro livro da Série Feios}  […]

  6. Kurai disse:

    Essa série é realmente muito boa! Embora eu tenha parado de ler Especiais na metade do livro… Não por ser ruim, muito pelo contrário, o livro é excelente mas há muitos choques e descobertas que te deixam paralisada enquanto está lendo!

    Li outros dois livros e ainda tenho um pouco de “medo” de descobrir como tudo isso vai acabar.

    hahahauha

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